“Acorda, Maria bonita”

 

Dimy sempre quis ser tratada feito rainha. Conquistá-la nem era tarefa tão difícil. Admiradora de rosas, adorava recitar poemas, principalmente os que recebia de seus pretendentes. Também era chocólatra nata – magrinha de ruindade! Mas todas as pétalas, poesias e docilidade não passavam da página dois, até alguém pisar em seu pé de anjo.

Rubens era um amante apaixonado, “do tipo que ainda mandava flores”… além de tudo, boa pinta. Todo dia, Dimy recebia dele uma espécie diferente delas, das exóticas às mais simples, lindas, perfumadas e com uma energia que ela não sabia de onde vinha, só as sentia – era de arrepiar. Em sua casa já não havia mais espaço para tanto jardim – no escritório em que trabalhava, idem.

Tudo caminhava na maior perfeição, até que, numa noite fria, final de outono, na sua solitude calma e serena, a jovem deparou-se com uma notícia:

_Acaba de ser reconhecido o “pegaflor”, vulgo Rubão, suposto ladrão de flores dos sepulcros do cemitério “Aqui jaz, na paz!”. Rubens Álvares Coimbra de Oliveira Camargo Junior foi flagrado pelas câmeras de segurança furtando rosas das criptas locais, prática que executava há mais de um mês.

Num passe de mágica, toda aquela beleza encantadora transformou-se em signos funestos espalhados pela casa. A ventania intensa batia em sua janela, como quem quisesse adentrar para sempre naquele universo sinistro. O dia parecia nunca chegar e, logo ao primeiro sinal do alvorecer, tratou de livrar-se dos mimos recebidos.

Sem dó, nem piedade, transformou a entrada do apartamento do rapaz numa verdadeira floricultura funerária. Para finalizar, eternizou a lataria do seu carro com os dizeres: Adeus, Rubão-Pegaflor!

Ah, Dimy e suas manias de tentar decifrar a psicologia masculina com teorias duvidosas! Numa de suas “decodificações” sobre o ser humano, a moçoila quis entender o que fazia um homem estiloso e elegante abrir mão de uma indumentária tão ímpar. Pois bem, Cido não usava cuecas, o que intrigava a jovem, que se desesperava a cada subida de zíper do rapaz. Chegava a ter pesadelos com isso! Em sua análise profunda, tal hábito devia ter alguma relação com a personalidade daquele belo par de olhos azuis, e ela foi a fundo, rumo à descoberta que a fez perder mais um pretendente. Em suas pesquisas em fontes não confiáveis, leu que quem tem esse costume não quer se relacionar com ninguém de verdade, quer viver livre, leve e solto e que tudo não passa de aventuras. Não deu outra: antes mesmo de se ver apaixonada, terminou com Aparecido e ainda o presenteou com uma caixa de sambas-canção.

Ela também conheceu Rique, o escritor. O cara era capaz de interromper uma transa boa, daquelas que raramente acontecem, para escrever algo relevante em suas histórias. Ele estava em seu 15º livro. Ao todo vendeu 20 exemplares, mas acreditava que tudo era uma questão de tempo pra ser mundialmente reconhecido com a sua literatura de terror. Costumava dizer que a melhor maneira de se vingar das ex era em suas escritas. Certo dia, Dimy sonhou com um grande lançamento do que viria a ser o ápice literário do amado, cujo título era “Di nas trevas sem fim”. Claro que ela não queria ser eternizada numa ficção aterrorizante e, sem pestanejar, deixou o pobre autor sem palavras, sem texto, sem personagem e sem namorada.

Em suas andanças, teve outras tentativas frustradas, como a do gringo que conheceu numa piscina de hotel e que, minutos depois, já estava em seu quarto totalmente entregue àquele homem de sotaque sedutor e corpo caliente. Mal se entrelaçaram naquele lençol de seda pura e amassada de tanto prazer, para ele lembrar que precisava voltar ao seu aposento para tomar seu remédio contínuo e que logo voltaria – voltou? Nem ele, nem a carteira dela.

Outra lembrança que jamais saíra de sua memória foi aquela, dos lábios se aproximando e o olhar cada vez mais profundo daquele lindo moreno alguns anos mais moço, quando o cachorro, num latir incessante, pôs tudo a perder e ela, apenas a imaginar como seria…

Tem também aquele caso em que…ops, peraí que a Dimy está acordando, tem sono pesado, mas aos poucos começa a despertar…Só que ela não é mulher pra acordar sem um final feliz em seus sonhos, principalmente quando o assunto tem a ver com o sexo oposto. Ela tem a capacidade de dormir, acordar e voltar a sonhar de onde parou ou escolher em qual parte quer recomeçar. Assim sendo…

Rubens das flores foi o “homem pra chamar de seu”. Tudo começou naquela noite em que ele encheu sua casa com pétalas, orquídeas, rosas vermelhas e lírios do campo, carregadas por um cara livre, leve e com tudo às soltas. O novato do cão que ladra, mas não morde, virou seu amante. A vida do casal florido se transformou em romance de ficção. O autor, que já estava em seu 16º livro, sagrou-se com esse best seller. Sua obra virou filme premiado, apresentado em noite de gala pelo gringo de fala atraente – Dimy e Rubão flutuavam de alegria, até que…

_Dimyarina Maria da Cruz! Acorda pra fazer o meu café, muié, já é tarde, para de sonhar, vem dar um cheiro no seu Raimundão, que já vô mimbora, pra mais uma viagem nesse caminhão, mundo afora!

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