Todos queriam passar em frente só para ver a senhorinha

A senhorinha beijoqueira dos cabelos de algodão

Todos os dias, Gilcelânea fazia questão de caminhar em sua rua só pra ganhar um beijo, ainda que de longe, da simpática senhorinha dos cabelos de algodão.

Ao contrário de todas as casas, a sua, de número 42, era a única que floria, ainda que não fosse tempo de florir.

Mal cabiam as flores, que precisavam ser levadas dia a dia por um carrinho de mão, que de tão belo, parecia mais uma decoração do que objeto de construção.

Era batata, bastava dar alguns passinhos e lá estava dona Hermenegilda de plantão, à espera de mais um alvo. Seu beijo era certeiro, atingia bem no fundo da alma de quem por lá passava.

Alguns dias se passaram. Aquele jardim, que mais parecia um arco-íris de tão colorento deu lugar a um marrom seco e espinhento.

Não havia mais rosas, não havia mais beijos. A velhinha se foi, sem ao menos se despedir. A caminhada de Gilcelânea agora andava a passos largos, duros e sem graça.

(Imagem criada por meio de IA do ChatGPT / Conto inspirado em fatos reais, escrito pela jornalista e escritora Claudia Rato, autora do livro de contos Pra mim você morreu. Hé uma versão em vídeo desse conto, narrada pela autora, em sua conta no TikTok)

A chaleira nova

A chaleira nova

Jislamilda estava decidida a comprar uma chaleira nova. Aquela, que morava em uma das bocas de seu fogão, perdera o brilho, a beleza e nem mais acordava a vizinhança com seu som agudo e alegre toda manhã.

Comprou. E logo foi a esnobar sua antiga velha companheira das manhãs mostrando sua substituta, linda e brilhosa.

Previstênio, o marido, acordou e também ficou encantando com a tal chaleira nova. Pegou-a com a delicadeza de quem segura uma pedra preciosa e a colocou num canto escondido, dentro do armário.

A esposa não entendeu e o questionou.

_Marido, por que você fez isso?

E ele respondeu, porque uma belezura dessa não pode ser usada assim, sem motivo especial. Em dias de visita, ela aparece, e quando todos saírem, ela volta ao seu lugar.

_Façamos diferente, então. Que a cada dia nesta casa seja uma data especial e, assim, teremos as melhores razões para usar todas as chaleiras novas deste mundo.

O esposo entendeu o recado e levou o velho objeto para fora de casa. Deste dia em diante, o café ficou bem mais gostoso.

(Crônica da jornalista Claudia Rato, autora do livro Pra mim você morreu. Imagem cedida via Freepik, desenvolvida a partir de recursos da Inteligência Artificial. Você pode ver o vídeo narrado deste texto na conta do TikTok – veja outros textos, contos e crônicas da autora em seu blog e siga suas contas nas principais redes sociais. E se você tiver uma história da sua vida e quer transformá-la em um conto ou até mesmo em um livro, deixe mensagem por meio das mídias Instagram e Tik Tok que entraremos em contato. Para adquirir o livro, é possível solicitar também nessas mídias digitais)

Acredite no seu poder Cinderela versão 2024

Resolvi repetir algumas coisas neste ano, a começar por livros já lidos e filmes vistos. Isso é bom, ao menos a mim, pessoa desprovida de boa memória.

“A metamorfose”, de Franz Kafka, foi a obra que escolhi reler. Logo no primeiro parágrafo, o escritor tcheco descreve, com suas minuciosas e sábias palavras, a anatomia de um inseto nojento. Nessa releitura vi quão rica pode ser uma boa metáfora. O livro traz uma boa reflexão sobre as relações. Em um único dia lá se foi metade das páginas.

Já a versão moderna – e necessária – de Cinderela foi minha opção de releitura audiovisual. Nessa nova revisão, o filme me fez relembrar uma frase recente de um amigo que se intitula “conservador” e que foi assistir produção similar antes de levar suas filhas ao cinema. Era a Barbie, que não passou no teste do pai preocupado. “Muito feminista”, concluiu. Uma pena.

Ainda sobre o remake da futura princesa dos sapatos prateados, lembrei-me da ocasião na qual outra amiga instigava a prima quarentona a procurar por um homem endinheirado. “Não preciso disso, eu sei me sustentar muito bem”. O tom não foi tão simpático quanto o da personagem que abdicaria sua vida num palácio caso não tivesse sua própria independência e reconhecimento do seu talento de costureira, mas soou perfeitamente igual nos ideais. Palmas pras duas, quando eu crescer quero ser assim. Sim, às vezes bate a vontade de jogar o despertador bem longe e sonhar com um príncipe encantado e nenhum boleto atrasado. Mas não perdi meu chinelo em nenhuma mansão perto da meia-noite, então resta inspirar-me e correr atrás do meu valor.

Outra coisa que pretendo rever esse ano é um curso de crônicas de uma famosa e respeitada cronista que fiz no ano que se foi. Na ocasião, assisti todas as aulas em um único dia, na ânsia de acabar logo. Tenho a impressão de que dessa vez será mais produtivo e que valerá à pena essa repetição também.

Só é uma pena que não dá para reviver uma festa inesquecível, o nascimento de um filho, o baile da formatura, um dia memorável em família. A vida não tem replay, essa não dá para rebobinar. Repetir de ano, só na escola, e isso ninguém quer.  Sendo assim, reavivamos os bons livros e filmes, lembremos dos bons fatos já vividos mas façamos acontecer hoje novos momentos nessa vida, que é única. A hora é agora. Acredite no seu poder Cinderela versão 2024. Feliz Ano Novo.

(Crônica de Claudia Rato, jornalista e escritora, autora do livro Pra mim você morreu)

Lisbela e o marido ogro

Lisbela e o marido ogro

Numa manhã em que o sertão despertava em brasa ardente, Lisbela, mulher das muitas luas já vividas, se viu enredada num sonho que mais parecia uma ciranda de memórias, resgatando afetos de um cabra arretado que se escafedeu no meio da roça. Ainda de pijama, com os olhos inchados de tanto dormir, a sonhadora se assentou à beira da cama e continuou a sonhar, dessa vez acordada.

Aquela aurora, em que a terra exalava calor e fervor, se desdobrou numa tarde de domingo escaldante e animada, repleta de lembranças que bailavam ao som do crepitar das labaredas que afagavam o solo.

Não fosse o marido, sujeito firme e rude, ter sacolejado a esposa para lhe fazer um café puro e amargo, enquanto o sol derramava sua luz sobre o rincão sertanejo, certamente ela dormiria novamente só para saber que fim daria aquele sonho, que parecia ser demasiado de bom.

Sem alternativas, a mulher fez-lhe um pedido singelo:

_ Ó, meu amado, teria a bondade de fazer um afago na alma dessa criatura que vos fala só para mostrar seu chamego arretado por mim?

Com expressão de quem estava mais acostumado com a secura do sertão do que com requintes amorosos, o moço grunhiu em resposta, aguardando a solicitação.

— Poderia encontrar, colher e me trazer uma flor azul com espinhos vermelhos?

O marido a encarou, perplexo, como se o pedido fosse mais absurdo que um cangaceiro dançando xaxado na praça.

— Uma flor azul com espinhos vermelhos? Isso é coisa de conto de fadas, mulher! Não tem no sertão quem plante tal encanto. E você, com esse xale velho, está mais pra um cacto espinhento que pra Maria Bonita. Parece até que comeu rapadura com pimenta, diacho.

Imperturbável em seu desejo e incomodada com a comparação, a mulher ordenou:

— Se vira, valentão. Volte só quando encontrar.

O rapaz partiu, em uma jornada que mais parecia uma travessia pelo deserto. Enquanto cruzava os rincões secos em busca da tal flor exótica, Lisbela contemplava o vasto horizonte, onde o calor tremulava como ondas de um mar de saudades.

— Que tempo foi esse que passou tão depressa e que agora parece não passar nunca mais? — questionava a moça, na esperança de encontrar respostas para suas escolhas.

A tarde se despedia, saudando o anoitecer, quando surgiu um sujeito de trajes singulares. Era um homem de beleza que até assustava, esbelto e elegante, trazendo consigo um buquê de flores azuis entremeadas por espinhos rubros.

Pena que Lisbela acordou do sonho com outro chacoalhão do comparsa de movimentos bruscos, que não encontrou a tal rosa exótica, mas fez questão de dar a ela um pequeno xique-xique como forma de seu afeto.

Ela sorriu para o marido, levantou-se e foi botar o feijão no fogo.

Este texto é uma adaptação do conto original A mulher sonhadora e o marido ogro, de Claudia Rato, reescrito pela Inteligência Artificial a pedido da autora para a versão do escritor Ariano Suassuna. A proposta era ver como ficaria essa escrita com o uso dessa tecnologia no tempo e ao estilo do autor supracitado. Vale ressaltar que o texto da plataforma de IA passou por inúmeros ajustes a pedido da autora para explorar e chegar o mais próximo possível da escrita de Suassuna. A imagem também foi extraída de I.A. O mesmo conto também passou por adaptações na linguagem escrita dos autores Franz Kafka, sob o título Gregorlínea e a flor rara; Eça de Queiroz, em O despertar de Euseclânea e Machado de Assis, em Devaneios matrimoniais: Euseclânea, o ogro e a quimérica flor azul. Também cabe destacar que o conto adaptado de Suassuna foi o que mais se aproximou da realidade linguística do escritor, sendo que os primeiros não sofreram tanta alteração da autora do conto original após passar pela plataforma.

Gregorlínea e a flor rara

Gregorlínea e a flor rara

Em uma pequena cidade, imersa em uma atmosfera enevoada e sufocante, Gregorlínea, uma mulher já na meia-idade, encontrou-se envolvida por um sonho vívido que a transportou para um passado distante, onde seu antigo amor, há anos desvanecido, ressurgiu. Vestida com um robe vermelho, os olhos pesados pelo sono, ela se assentou na borda do leito, contemplando o vazio diante de si e prosseguindo no devaneio, agora desperta.

A manhã gélida desdobrou-se numa tarde de domingo calorosa e jubilante, repleta de recordações boas, antigas e inflamadas. Todavia, a presença do marido ogro interrompeu abruptamente esse fugaz encantamento, instigando-a a ingerir um café forte e degustar um bule de chá, acompanhado de um pão sem sabor. Caso contrário, Gregorlínea teria mergulhado novamente nos recessos do sono, ansiosa por desvendar o desfecho daquela visão intrigante.

Desprovida de alternativas, ela dirigiu seu olhar ao esposo e formulou-lhe um simples pedido. “_Querido, faria a mim um favor como prova do seu amor?” Com um olhar desinteressado, o homem grunhiu em resposta, abrindo espaço para que ela continuasse. “_Poderia encontrar, colher e me trazer uma flor azul com espinhos vermelhos?”

O moço a fitou com expressão confusa, incapaz de compreender a peculiar demanda. “_Uma flor azul com espinhos vermelhos? Desde quando isso existe? Parece até conto de cortes reais, e você, com esse traje antiquado, não está para dama da realeza, minha Gre querida.”

“Se vira. Volte só quando encontrar”, ordenou a mulher, ciente da quase impossibilidade dessa busca na desolada e árida região onde residiam, praticamente nos confins do mundo. Seu desejo era apenas prolongar o sono, imersa na metamorfose que a envolvia.

Enquanto o marido empreendia sua peregrinação em direção às terras semiáridas para satisfazer a exigência impossível de Gregorlínea, ela contemplava o vasto e vazio horizonte. Não sonhava, mas retornava ao passado. “Que tempo foi esse que passou tão depressa e que agora parece não passar nunca mais?”, indagava a pobre mulher, em busca de respostas vãs para suas escolhas.

A manhã deu lugar à tarde, saudando o crepúsculo, quando um jovem, trajando indumentária pouco comum ao marido ogro, apareceu. Era um homem belo, esguio e elegante, portando um buquê de flores azuis com espinhos vermelhos.

Lamentavelmente, Gregorlínea despertou do sonho com mais um chacoalhão brusco de seu atual companheiro. Ele não havia encontrado a exótica rosa, mas presenteou-a com um pequeno escaravelho, como símbolo de seu amor. Ela sorriu para ele, ergueu-se e dirigiu-se à cozinha para preparar o feijão.

(Adaptação do conto original A mulher sonhadora e o marido ogro, de Claudia Rato, reescrito pela Inteligência Artificial a pedido da autora para a versão do escritor tcheco Franz Kafka. A ideia era ver como ficaria essa escrita com o uso dessa tecnologia no tempo e ao estilo desse autor. O texto do plataforma de IA passou por vários ajustes, a pedido da autora, para explorar e chegar o mais próximo possível da escrita de Kafka. A imagem também foi extraída da I.A.)