Prima do bordel ganha sozinha na loteria

“Fechado para balanço”. Essa era a frase escrita à mão em uma folha sulfite colada no portão de um sobrado de fachada discreta em uma pacata cidadezinha do interior.

Um dia antes, já tarde da noite, dona Geminiana, a vizinha octogenária da casa ao lado, fez jus ao aparelho de surdez ouvindo em alto e bom som as palavras proferidas por uma das moçoilas que trabalhava no tal estabelecimento.

_ Ganhei, ganhei.

Esperta e sabida do que aquele lugar oferecia, imaginou se tratar de uma farta gorjeta de algum cliente abastado. Tirou o aparelho do ouvido e foi dormir.

Dia seguinte, logo pela manhã, Anastácia, uma vizinha fofoqueira, estranhou tamanha pacatez local, já que desde cedo a movimentação era grande em frente àquele imóvel cobiçado por alguns cidadãos de bem.

Para tentar entender o fechamento repentino, a mulher, de meia idade e bobes no cabelo, se achegou e fingiu praticar a boa vizinhança recolhendo algumas folhas secas da calçada caídas do ipê amarelo que dava cor àquele ambiente cinzento naquele início de outono, isso só para ver se conseguia alguma pista, um sussurro, uma conversa…

_ Nem em dia santo esse lugar fecha. Alguma coisa aconteceu e eu vou descobrir _ indagou, intrigada, a futriquenta.

Três dias se passaram e nenhuma frestinha aberta. Alguns moçoilos desavisados, a maioria com géis no cabelo, cheirando a perfume barato e com uma cara larga de quem só queria um pouco de diversão, paravam em frente ao local e davam com a fuça na porta.

Laudomiro, o vigilante noturno que vivia com um cigarro na boca, tentou abrir, em vão, o portão. Percebeu logo que sua intuição era um fato.

_ Alguma coisa aconteceu e eu não tô gostando disso. Eu mato essa mulher.

A polícia foi acionada, entrou no local e não avistou nada, nem ninguém.

O zum zum zum era que uma das moças havia ganhado sozinha na loteria, dado um bom agrado para a cafetina, alguns dias de folga para as primas e picado a mula para todo o sempre.

Só o que não se entendia era o desespero do vigia, inconformado com o sumiço da felizarda.

Tal inconformidade deu vez à fúria. Isso porque, na noite anterior ao resultado, Lisbella, a recém-milionária, fez um trato com Miro, seu último cliente daquele dia. Com uma fita métrica nas mãos e o homem totalmente nu à sua frente, tirou algumas medidas de suas partes, que seriam a base das escolhas numéricas para fazer a tal fezinha. Tudo foi minuciosamente medido e, com isso, a sortuda teria seus números de sorte.

Ninguém sabia de nada, mas houve um tratado entre ele e Lisbella. Se acertasse os números, dividiria metade do prêmio com ele. Justo. Ele só queria sua parte combinada e nada mais.

Ao saber da traição e do tratado, a mulher do vigilante tratou de querer a metade do que teria direito e também apareceu na porta do bordel. O advogado do rapaz, por sua vez, não perdeu tempo requerendo seu pedaço de terra nessa história. Cinquenta por cento do que o pobre recebesse seria dividido com o doutor.

_ É pegar ou largar _ disse, com ar de sabichão, o bacharel. Sem saída e desesperado, o moço aceitou e firmou contrato.

Tudo em vão, a moça desapareceu do mapa.

O segurança perdeu sua companheira e foi demitido por justa causa, já que deveria estar fazendo a ronda enquanto posava de cliente modelo de sorte num quarto vagabundo daquela casa de perversão. Também precisou pagar os honorários do advogado, que se apaixonou pela esposa traída e vice-versa.

Não deu muito tempo para a moça rica reaparecer, com uma mão na frente e outra atrás, pobrezinha da Silva pedindo uma vaga em seu suado trabalho depois de cair no golpe do bonitão da internet que tirou centavo a centavo da conta da inocente apaixonada.

Sem emprego fixo, Laudomiro aceitou uma vaga de porteiro na casa das primas. Todo fim de mês lá estava ele e a jovem, na safadeza, com uma fita métrica na mão, tentando alterar algumas medidas.

Em meio às apostas, outra ganhou destaque na cidade, na tentativa de saber a que se referiam os números daquela loteria anatômica.

(Texto: Claudia Rato, autora do livro de contos Pra mim Você Morreu/ Imagem: Freepik)

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