A chaleira nova

A chaleira nova

Jislamilda estava decidida a comprar uma chaleira nova. Aquela, que morava em uma das bocas de seu fogão, perdera o brilho, a beleza e nem mais acordava a vizinhança com seu som agudo e alegre toda manhã.

Comprou. E logo foi a esnobar sua antiga velha companheira das manhãs mostrando sua substituta, linda e brilhosa.

Previstênio, o marido, acordou e também ficou encantando com a tal chaleira nova. Pegou-a com a delicadeza de quem segura uma pedra preciosa e a colocou num canto escondido, dentro do armário.

A esposa não entendeu e o questionou.

_Marido, por que você fez isso?

E ele respondeu, porque uma belezura dessa não pode ser usada assim, sem motivo especial. Em dias de visita, ela aparece, e quando todos saírem, ela volta ao seu lugar.

_Façamos diferente, então. Que a cada dia nesta casa seja uma data especial e, assim, teremos as melhores razões para usar todas as chaleiras novas deste mundo.

O esposo entendeu o recado e levou o velho objeto para fora de casa. Deste dia em diante, o café ficou bem mais gostoso.

(Crônica da jornalista Claudia Rato, autora do livro Pra mim você morreu. Imagem cedida via Freepik, desenvolvida a partir de recursos da Inteligência Artificial. Você pode ver o vídeo narrado deste texto na conta do TikTok – veja outros textos, contos e crônicas da autora em seu blog e siga suas contas nas principais redes sociais. E se você tiver uma história da sua vida e quer transformá-la em um conto ou até mesmo em um livro, deixe mensagem por meio das mídias Instagram e Tik Tok que entraremos em contato. Para adquirir o livro, é possível solicitar também nessas mídias digitais)

Acredite no seu poder Cinderela versão 2024

Resolvi repetir algumas coisas neste ano, a começar por livros já lidos e filmes vistos. Isso é bom, ao menos a mim, pessoa desprovida de boa memória.

“A metamorfose”, de Franz Kafka, foi a obra que escolhi reler. Logo no primeiro parágrafo, o escritor tcheco descreve, com suas minuciosas e sábias palavras, a anatomia de um inseto nojento. Nessa releitura vi quão rica pode ser uma boa metáfora. O livro traz uma boa reflexão sobre as relações. Em um único dia lá se foi metade das páginas.

Já a versão moderna – e necessária – de Cinderela foi minha opção de releitura audiovisual. Nessa nova revisão, o filme me fez relembrar uma frase recente de um amigo que se intitula “conservador” e que foi assistir produção similar antes de levar suas filhas ao cinema. Era a Barbie, que não passou no teste do pai preocupado. “Muito feminista”, concluiu. Uma pena.

Ainda sobre o remake da futura princesa dos sapatos prateados, lembrei-me da ocasião na qual outra amiga instigava a prima quarentona a procurar por um homem endinheirado. “Não preciso disso, eu sei me sustentar muito bem”. O tom não foi tão simpático quanto o da personagem que abdicaria sua vida num palácio caso não tivesse sua própria independência e reconhecimento do seu talento de costureira, mas soou perfeitamente igual nos ideais. Palmas pras duas, quando eu crescer quero ser assim. Sim, às vezes bate a vontade de jogar o despertador bem longe e sonhar com um príncipe encantado e nenhum boleto atrasado. Mas não perdi meu chinelo em nenhuma mansão perto da meia-noite, então resta inspirar-me e correr atrás do meu valor.

Outra coisa que pretendo rever esse ano é um curso de crônicas de uma famosa e respeitada cronista que fiz no ano que se foi. Na ocasião, assisti todas as aulas em um único dia, na ânsia de acabar logo. Tenho a impressão de que dessa vez será mais produtivo e que valerá à pena essa repetição também.

Só é uma pena que não dá para reviver uma festa inesquecível, o nascimento de um filho, o baile da formatura, um dia memorável em família. A vida não tem replay, essa não dá para rebobinar. Repetir de ano, só na escola, e isso ninguém quer.  Sendo assim, reavivamos os bons livros e filmes, lembremos dos bons fatos já vividos mas façamos acontecer hoje novos momentos nessa vida, que é única. A hora é agora. Acredite no seu poder Cinderela versão 2024. Feliz Ano Novo.

(Crônica de Claudia Rato, jornalista e escritora, autora do livro Pra mim você morreu)

A superlua azul e as borboletas no estômago

A superlua azul e as borboletas no estômago

Era por volta das seis da tarde quando olhei para o céu como quem nada queria quando ela parecia abduzir minha alma naquele alaranjado de tom encantador.

Não me contive e tive que falar para todo mundo. Só eu não sabia que ela já era o assunto do dia e que o grande trunfo estava por vir.

“Não esquece de ver a Superlua azul às 22h35”, dizia minha mãe e as várias mensagens em todos os grupos de celular. Pois bem, fui lá eu olhar para cima às dez e trinta e cinco do relógio. Preferi a imagem da tardinha quando me surpreendi com tamanha formosura arredondada.

Meu desdém ao fenômeno, que de azulado nada tinha, me fez lembrar de uma moça, de romantismo exacerbado, triste, em plena noite de núpcias, com a falta de empatia do noivo. Ela o chamou para ver a lua, linda, mas o rapaz nem se mexeu e assim fazia a cada feito lunar. Ela nunca se esqueceu desse dia…

O casal festejava mais uma boda e lá estava ela, linda e redonda, sob o deslumbre solitário da mulher sonhadora.

Chamou, em vão, o amado, e resolveu ir até a rua apreciar a lua cheia, fazendo dessa vez um pedido a ela. “Quero borboletas voando no meu estômago”.

Mal terminou de proferir seu desejo, esbarrou em um rapaz, tão distraído quanto ela, que também apreciava a beleza celestial.

Desse dia em diante nunca mais a moça viu a lua sozinha.

 (Crônica de Claudia Rato, autora do livro de contos Pra mim você morreu/ Imagem: Freepik)