Marcelina, Rapunzel

Marcelina, Rapunzel

Marcelina saiu de casa se sentindo o último patinho feio do universo. Para disfarçar a desmazelice do cabelo, sem lavar há três dias, fez duas tranças, feito Rapunzel, e saiu, despretensiosamente. Respirou firme, pegou a sua garrafinha de água e foi para a aula diária de spinning.

Suada, cansada, mas com ar de felicidade de quem matou qualquer indício calórico decorrente de seus deslizes de chocólatra assumida, lá estava a moça, caminhando a pé, de volta ao seu humilde lar.

A bela não resistiu à tentação e parou em uma loja de conveniência. Sorriu para todos, pois estava feliz, sem sequer saber o motivo. Avistou um rapaz, que a ela sorriu também, pegou o seu pacotinho de suspiros e rumou para o seu destino.

A noite estava linda. A lua, grandiosa e cheia de graça. Os carros se entrepassavam pela avenida, até que um deles parou ao lado de Marcelina e uma voz encantadora soou nos ouvidos da moça. Era o mesmo do sorriso…

_ Sabia que você é muito bonita?

_ Obrigada.

_ Posso te conhecer?

_ Hoje não!

_ Qual seu nome?

_ Marcelina

_ Ok, você é linda!

Os passos de Marcelina seguiram caminho e o carro também, distanciando-se cada vez um do outro.

_ Marcelina, Marcelina, sua burra, como assim hoje não, hoje não??? E quando será, sua idiota? O cara sequer sabe quem é você! Anotou a placa? Não, né! Sabe quando ele vai te encontrar nessa cidade enorme? Nunca mais! _ disse para si, eufórica com o elogio, mas ao mesmo tempo incrédula por não seguir o papo adiante.

Assim que chegou em casa foi ver se o rapaz a havia encontrado na internet. Ah, sim, você acha mesmo que ele vai fazer uma busca por todas as Marcelinas deste mundo até te encontrar, né, ô cara pálida? Acorda, menina, perdeu _ falou sozinha, olhando para o espelho.

Não foi fácil dormir naquela noite. A cada meia hora a jovem sonhadora olhava o celular em busca de um oi qualquer do desconhecido do sorriso encantador daquela loja de conveniência.

Dia seguinte, sequer conseguiu trabalhar no renomado restaurante da cidade onde era reconhecida a melhor chef da gastronomia francesa. Tudo dessalgou, ou salgou demais. A cabeça estava em outro lugar. Naquela avenida…

Nessa mesma noite, Marcelina seguiu seu ritual, trancinha no cabelo, exercício puxado de bike na academia, loja de conveniência, caminhada a pé em casa, mas dessa vez com o melhor look, make perfeita, perfume do mais caro, tudo.

A cena se repetiu por mais alguns dias e nada de a bela rever o tal rapaz. Ela não sabia mais o que fazer para tentar esse reencontro platônico até ter uma ideia um tanto quanto inusitada, vulgo loucura de amor.

Marcelina colocou uma faixa exatamente onde foi abordada pelo rapaz com os dizeres: Ei, você, que me achou tão bonita, onde estás? Passo aqui todos os dias, no mesmo horário. Ainda quer me conhecer?

Para sua decepção, nada de o moço aparecer. Desiludida, passou a se produzir cada vez menos para ir às aulas e voltou à desmazelice de sempre, sentindo-se novamente a pata mais feiosa de todas….

Já nem mais ligava para o estratégico e furado ritual da tentativa do reencontro com o belo, até o dia em que sentiu um cheiro atrativo de suspiro no ar e suas tranças cor de mel se encontraram frente a frente com aquele mesmo sorriso de encanto sereno naquela mesma loja de conveniência.

Sem saber o que fazer ou dizer, Marcelina deu um meio sorriso, desviou timidamente o rosto com olhar cabisbaixo e seguiu adiante, passo a passo, rumo ao seu destino, destino esse que dessa vez a levou para outro lugar.

A noite estava linda. A lua, grandiosa e cheia de graça. Os carros se entrepassavam pela avenida, até que um deles parou ao lado de Marcelina e uma voz encantadora soou nos ouvidos da moça.

_ Sabia que você é muito bonita?

_ Obrigada.

_ Será que hoje posso te conhecer?

_ Com certeza.

(conto de Claudia Rato – autora do livro Pra mim você morreu – para adquirir o livro, acesse a conta do instagram)