Eteobalda, Anacleto, Jessi e o desgracento da corrida

O dia que Eteobalda, também conhecida como Baldinha, se casou foi uma grande festa na pacata cidade de Itamaraguá.  Anacleto, o noivo, era o homem mais feliz do mundo e não fez cerimônia em bancar todo o casório, com direito a boi no rolete, muita cachaça e cerveja à vontade aos convivas, gente de toda a parte do pequeno vilarejo onde moravam.

Do lado oposto do mapa, outra cerimônia acontecia, essa simples, sem muita celebração. Foi o dia em que Jessicleide, grávida de sete meses, disse sim ao marido, Amarildo.

Os anos passaram, filhos nasceram, cresceram e o tranquilo e distante lugarejo ficou pequeno demais para a Anacleto e família. Bem-vindos à cidade grande.

Eteobalda, que jamais havia saído de perto do seu povoado, se assustou com tamanha agitação da nova morada, mas aos poucos se acostumou e tomou gosto pela nova vida. Quis se profissionalizar e trabalhar. O esposo aceitou, mesmo a contragosto, porque na sua visão, mulher tem que servir o marido e o marido dar sustento pra mulher – e ponto.

Mesmo vivendo em local moderno, sem sequer um paralelepípedo, quiçá uma estradinha de terra aqui ou acolá, Anacleto não deixou de lado a tradição de cavalgar pelas movimentadas ruas de asfalto com o seu potente e belo animal. Há que diga que gostava mais dele do que da própria esposa, com quem era hostil algumas vezes. O homem chamava a atenção de todos por onde passava com aquele belo e bem tratado cavalo. A mulherada, então, se derretia quando o rapaz, de bigode ferradura e minguados fios no couro cabeludo, cobertos por um chapéu branco de palha, a combinar com a cor dos sapatos, passava pela cidade.

Numa dessas cavalgadas, Anacleto se deparou com um grupo de maratonistas a sua frente, em uma tradicional corrida de rua. Saiu encantado com tudo o que viu, em especial um par de olhos cor de mel.

Assim que chegou em casa, contou a novidade para a mulher, sem mencionar o motivo maior de seu êxtase, claro.

A narrativa foi tão convincente que Baldinha quis ver de perto como era uma maratona e logo se apaixonou. Decidiu correr e passou a fazer parte daquele grupo de corredores, que tinha como líder um sujeito de apelido Grandão, dada a sua estatura e corpo sarado – era o Amarildo. Sua esposa, Jessicleide, também corria e logo se tornou a melhor amiga daquela simples mulher do povoado distante, de gente humilde, simples e acanhada.

Eteobalda nunca se manifestava para ninguém, mas vivia uma ansiedade diferente das demais mulheres à sua volta. Talvez quisesse fazer tudo o que nunca fez em sua cidadezinha, ao contrário do marido, que jamais deixou de satisfazer todos os seus anseios. Uma desconfiança sempre pairava na mente dessa mulher. Nunca ninguém disse, mas ela sabia que por trás daquele bigode grosso havia um ser por ela desconhecido.

Mas a troca de cidade também mudou a vida de Baldinha. Ela passou a se arrumar, a se cuidar, a malhar na academia, por coincidência a mesma que Amarildo treinava diariamente pela manhã.

Os dias dessa mulher passaram a ser mais coloridos, mais alegres, muito mais animados que outrora. Fizesse chuva, frio, sol ou calor, lá estava ela todo dia frente ao espelho, que refletia a imagem do corpo musculoso do esposo de Jessi. O suor caía sobre Baldinha, ainda que quase não fizesse nenhum esforço para levantar sequer dois quilos de peso. Era emoção, hormônio, calor intenso, sei lá…

Jessicleide não se incomodava com as atividades extras do marido, ao contrário, sempre apoiou o fiel e amado companheiro. Na verdade, ela até gostava, pois era o momento em que conseguia ter um tempinho só dela para sair, descansar e fazer outras atividades.

Já Anacleto não gostava muito das andanças da esposa. Passou a seguir os passos de Eteobalda e a bisbilhotar suas conversas no celular, mas nada encontrou. Ela, por sua vez, ainda que sem querer, soube que o cara estava de caso com alguém, só não sabia quem – e nem queria saber, tudo o que Baldinha queria era se vingar. Não, ela não ia matar o sem-vergonha, colocar fogo em seu carro ou jogar suas roupas todas rasgadas pela janela. Só queria dar o troco com a mesma e prazerosa moeda.

A envergonhada e acanhada moça pacata deu lugar a uma mulher forte, sensual, dona de si, que passou a dar em cima do saradão da academia. Só o que ela precisava era se vingar, assim ela pensava – esse era seu argumento sempre que se lembrava que o moço que seria usado nessa empreitada pérfida era o esposo de Jessi, sua nova e melhor amiga.

Seguro de sua virilidade e que a amada se mantinha fiel e dedicada, Anacleto seguiu sua vida, até que um dia se deparou com um bilhete deixado na cela do seu companheiro de passeio: “Ô cara, acorda que sua mulher tá te traindo, deixa de cê besta, otário”.

O homem empalidou, feito papel, gaguejou umas palavras falando sozinho, passou a mão no bigode, ajeitou o chapéu e seguiu a cavalgar atrás de Eteobalda pela cidade. Foi até a corrida que ela participaria, mas nada dela estar por lá. O líder do encontro também não estava.

Com expressão cansada de como quem correu meia maratona, Baldinha chegou em casa, deu um beijo em Anacleto e seguiu para o banho, mas antes deu uma olhadinha no celular, um sorriso discreto para a tela e esqueceu o aparelho ligado.

Os olhos do marido dilataram quando viu o telefone ali, frente e frente com ele. Não pensou duas vezes e foi ver com quem a moça acabara de conversar.

“Adorei a tarde, gostosa”.

_ Epa, epa que eu conheço esse filho da mãe, esse cara é aquele desgracento da corrida _ disse, furioso, o marido chifrudo.

Assim que saiu do banho, Baldinha teve que se explicar sobre a mensagem do celular e acabou contando toda a verdade a Anacleto. Ela revelou que assim que descobriu as traições do marido resolveu dar o troco.

Furioso com a traição da mulher com o bonitão da corrida, Anacleto foi até um rapaz que faz faixas instantâneas, daquelas para pendurar na rua, de cabo a rabo, e mandou escrever:

“A safada da minha mulher, Eteomilda, está me traindo com o desgramado do Amarildo, pronto, falei”.

Ao fim da prova, todos participantes voltaram para o ponto inicial para celebrar o evento e se depararam com a mensagem, inclusive Jessicleide, que entrou numa crise frenética de soluço, tamanho nervosismo e fúria.

Amarildo afirmou de pé junto para a esposa que não fez nada e que tudo não passava de mentira daquela “doida varrida” da Eteobalda, segundo ele.

A decepção de Jessi com o marido foi tamanha que a mulher resolveu mudar de vida. Colocou a casa à venda e foi morar na pequena e pacata Itamaraguá com seu novo amado. Ninguém sabia, mas Jessicleide também pulava a cerca com outro rapaz há algum tempo – um certo bigodudo recém-chegado na cidade. Ela jurou que não sabia que o cara era o marido de sua melhor amiga.

Já Amarildo, certo de que viveria paixão avassaladora com a amante para o resto de suas vidas, perdeu o posto para outro colega da corrida. Deixou as atividades físicas de lado e agora se dedica aos campeonatos de dominó com o C.A – grupo de cornos assumidos.

(Imagem: Freepik)