O patrão sem eira, nem beira

Edmunda conheceu Estofênia em um shopping popular num dia de promoção de Black Friday. As duas se esbarraram em uma loja de magazine numa disputa para saber quem levaria a última chapinha de cabelo. Tiveram que passar por uma prova, até que Estofênia levou a melhor e conseguiu ter o seu tão sonhado liso seboso diário. Sim, ela ganhou.

Embora tivessem tido atritos nesse dia, viraram amigas, tão amigas que Estofênia convidou Edmunda para participar de uma entrevista na metalúrgica em que trabalhava – ela supervisionava toda a empresa e sempre foi muito querida por todos.

Depois de passar por alguns testes, Edmunda foi escolhida para trabalhar no setor de acabamento. Precisava estar atenta a tudo, pois todo o processo de finalização passaria pelas suas mãos, ou seja, nada poderia dar errado e qualquer problema deveria ser direcionado à Estô, braço direito do dono da empresa, o Jeusualdo, enviuvado, sem filhos, nem herdeiros – isso era o que todos sabiam do pobre rico solitário.

Com personalidade forte de quem não gostava muito de receber ordens, Edmunda se incomodava um pouco de ter a supervisão e cobranças intensas da chefe geral, que não admitia nenhum erro de produção.

Sim, Estofênia era um doce de criatura, acolhedora e muito querida por todos, mas nada podia dar errado na empresa que ela virava uma fera, doesse a quem quer que fosse.

Inconformada por ter que se subordinar à amiga, Edmunda passou a se incomodar com tudo o que Estô dizia. Mas ela precisava desse emprego, era o seu ganha pão, não podia vacilar com a chefe.

Edmunda iniciou uma raiva constante da chefe, não suportava mais chegar perto daquela que lhe deu a mão. Até mesmo sua derrota na disputa de quebra de braço em meio à loja lotada naquela promoção imperdível vinha em sua mente. Ela não queria perder mais nada para a amiga e passou a vislumbrar o seu cargo. Sim, queria ser a chefe geral, a manda chuva, aquela que não faz nada e só dá ordens. Não é que a moça só pensava nisso dia e noite, noite e dia?

Festinha na empresa, comemoração de aniversário do viúvo Jeusualdo. Edmunda não pensou duas vezes, tratou de colocar logo o seu vestidinho vermelho mais curto e colado, tão colado que mal conseguia sequer sorrir para o zíper não arrebentar. Meteu logo um batom bem forte nos lábios e sem que ninguém percebesse passou a se insinuar para o patrão, que não resistiu à tentação e acabou acordando com a mulher num quarto de motel.

O expediente tornou-se algo mais prazeroso para a operária, que aproveitava seus horários de descanso para fugir até o almoxarifado, vestiário e mesmo à copa para se deleitar com Jeusú. Ela nem gostava muito do desempenho do cara, mas sabia que todo esse esforço valeria a pena.

_Não vejo a hora de mandar essa energúmena embora daqui e ser a dona dessa espelunca toda, dizia a funcionária para si mesma.

O tempo foi passando e Edmunda colocando cada vez mais seu plano em prática. A moça já se imaginava sentada numa cadeira giratória da diretoria executiva dando ordens pra lá e pra cá, a começar pela “amiga” chefe. Sonhava com esse momento e depois com a entrega de uma cartinha de demissão à tal colega.

E assim o fez. Numa manhã de início de labuta a moça chegou atrasada ao trabalho e antes mesmo de levar uma bronca da chefe a demitiu, ao passo que Estô, sem entender nada, riu da situação e decidiu demiti-la por desacato.

Com ar de primeira-dama do pedaço, Edmunda a enfrentou e abriu o jogo, ordenando que a então chefe fosse para o olho da rua, mas antes noticiou a todos os presentes quem seria a nova patroa de todos e mãe do filho de Jeusualdo, ao passo que o mesmo levou um susto e os demais também.

O homem empalidou, feito papel e arregalou os olhos frente à Estofênia, dizendo a ela que não era nada do que estava pensando.

O que ninguém sabia é que quem mandava naquela espelunca era Estô, que mantinha um segredo com Jeusú, sendo ela a verdadeira dona da empresa. Além de seu amante, ele era seu subordinado na indústria e um pobre zero à esquerda, sem eira, nem beira, mas que ela amava mesmo assim.

Estupefata com a notícia, Edmunda não conteve os xingamentos direcionados ao pseudopatrão antes de ser retirada à força pelos seguranças do local – ela e ele.

(Imagem: Freepik)

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