A mandinga da caatinga

Juvanilda se apaixonou por Estoclênio no dia em que o rapaz foi até sua casa resolver um problema de encanamento. Desde essa visita, volta e meia a moça dava um jeitinho de chamar o sujeito para fazer outros reparos. Já não havia mais cano quebrado para trocar, até que numa dessas idas do então profissional a mulher partiu para o ataque.

E não é que Estoclênio gostou? Em menos de uma semana, lá estava o casal dividindo o mesmo teto, no semiárido sertão de um pequeno e pacato povoado de Caatinga de Juazeiro do Sertão Velho.

Assim que juntou os trapos com Juvanilda, Estoclênio largou a vida de encanador para trabalhar na roça, no assentamento do cunhado.

Certo dia, uma prima da tia avó do pai de Juvanilda, a Crispiniana, resolveu voltar a sua terra natal para relembrar os bons tempos vividos no agreste, de quando as crianças banhavam sem roupa nenhuma no rio, só pensando em se divertir e curtir a bela e boa infância que não volta mais.

Cris ficou tão emocionada com aquela lembrança que resolveu voltar literalmente ao tempo. Como não havia ninguém beirando o pequeno lago, a moça, de falso loiro no cabelo e pernas carnudas, delineadas de tanto puxar ferro na academia da capital, resolveu reviver o passado, de corpo e alma. Tirou seu vestidinho florido de seda e ficou do jeitinho que veio ao mundo, prestes a se esbaldar naquela límpida e calma água.

Juva não sabia, mas por trás da carinha de santo do amado, de pessoa tímida de pouco menos de um metro e sessenta e que se fazia sem jeito para se achegar a uma mulher, havia um homem inquieto, que não podia ver um rabo de saia dando trela para ele, que se abria todo.

Em sua andança rumo à labuta em meio ao calor de quase quarenta graus, Estoclênio resolveu se refrescar um pouco e se deparou com Crispiniana, linda e nua, à sua frente. Nesse dia não teve trabalho. O moço ficou lá, paralisado, feito estátua, admirando a beleza da mulher, até ela se aproximar e os dois se roçarem por lá mesmo por um bom tempo.

Mal o sol dava o ar da graça no dia seguinte e a jovem já havia ido embora para a cidade grande, a léguas e léguas de distância daquele lugar. Estô descobriu onde a mulher morava e não pensou duas vezes – foi atrás da sua mais nova paixão. Em linhas tortas e mal escritas, deixou uma carta para Juvanilda e disse que não mais voltaria para casa.

Feito agulha no palheiro, o rapaz conseguiu, com muito custo, chegar até o paradeiro da loira e conquistar o coração da moça.

Seis meses se passaram e Juvanilda não se conformava ter perdido o seu homem para outra mulher. A sobrinha da comadre de seu tio fazia umas mandingas para quem queria reconquistar o amado. Ao ler o letreiro na porta da casa da parenta distante, escrito em letras garrafais “trago seu ex de volta”, Juva não titubeou e tratou de pedir um trabalho certeiro.

A macumba era fácil de fazer e segundo a mandingueira era tiro e queda. Bastava a mulher colocar o nome do cara e da atual dentro da boca do sapo, olhar bem no olho do bicho e falar três vezes: “esse homem é meu e de mim ninguém tira, sai pra lá, muié, que esse aí já tem quem qué, sai de perto, coça, coça, vem, meu macho, aqui pra roça”. Trabaio feito.

Tudo era muito simples. A única coisa que Juvanilda tinha que ficar atenta é que se o ex voltasse, e estava confiante de que voltaria, sempre que aparecesse um sapo (ou uma rã) em sua casa, ela teria que colocar o nome dele e da falsa galega goela abaixo do bichano.

E não é que o cabra da peste voltou? Não deu uma semana e o rapaz estava lá, no portão, batendo palma para entrar. Juva deu um pulo da cama, se emperiquitou toda, como se fosse ao baile, em plena seis da matina, abriu um sorrisão e destrancou a porteira.

O companheiro voltou um anjo, pianinho, com uma mão na frente e outra atrás. Juvenilda nem quis saber o que aconteceu, apenas se fez feliz que seu macho estava de volta – e era isso que importava.

Com a rotina de volta àquela terra, cercada de xique-xique da caatinga daquele pedaço de fim de mundo, Juvanilda mantinha a tradição da mandinga e sempre que avistava uma figura esverdeada em formato de gia já preparava a tal escrita para colocar em sua boca e garantir a paz de espírito e o amor naquele recinto.

Certo dia, ela e o maridão saíram para festejar a venda de meia dúzia de cabritos. A mulher bebeu um pouco de cachaça a mais e estava alegrinha, alegrinha. Quando chegou em casa, manguaçada que só, não se apercebeu da ilustre visita de uma perereca na sala.

A bichinha já estava quase saindo de casa quando Estoclênio a avistou e se assustou. Estabanada e apressada para não botar tudo a perder, a mulher pegou um papel e caneta, escreveu rapidamente os nomes e colocou na boca da rã, que engoliu tudinho na mesma hora.

Dia seguinte, Juvanilda não conseguia sequer ficar perto do marido que lhe vinha uma coceira danada. A urticária aumentava só de ouvir a voz do rapaz. Tudo que poderia levar Juva a se lembrar do amado fazia bolhas saltarem, feito sapo, uma a uma pelo seu corpo.

Não tinha trabalho nenhum que fizesse a moça parar de se coçar perto de Estô, que não teve outra saída a não ser ir simbora pra bem longe da mulher.

Numa noite calorenta, daquelas em que era preciso deixar portas e janelas abertas para ver, em vão, se um pouco de vento entrava, adentrou em sua casa uma rãzinha que parecia familiar. Estava maior um pouco, mas era a mesma de tempos atrás. A bichinha abriu a boca, jogou um pedacinho de papel no chão, olhou bem no olho de Juva e foi-se embora. No tal papelzinho estava escrito, Juvanilda X Estoclênio.

Só a partir daí que mulher se deu conta do pequeno grande erro cometido naquela noite de manguaça. Mas já era tarde demais. Juva já estava casada, ainda que a contragosto, com um primo do compadre da tia de Estoclênio, com cinco filhos pra criar e mais um, que estava por chegar.

(Imagem: Freepik)

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