Alternativas da meia idade: a melhor escolha é você

Às vezes, só o que a gente precisa é de boas companhias

Lembrei hoje da crônica “Nascer velho, morrer jovem” do saudoso humorista Chico Anysio propõe reinventar a vida. Morreu de quê? De infância. Ah, então viveu bastante – assim diriam as pessoas, nesse universo utópico. Não sei ao certo, mas seriam octogenários, nonagenários, quiçá centenários às avessas.

Mas como de tudo se aproveita algo e vindo de alguém de tão nobre sabedoria, talvez pudéssemos adaptar um pouco essa quimera apenas nos números, o que me fez lembrar de um texto riquíssimo de um folhetim em que a atriz Andrea Beltrão, na figura de sua personagem cinquentenária, decidiu descer um ano em sua via a cada aniversário. Qual o problema? 49, no ano seguinte, 48, e assim seguia, plena. Deixa a moça viver em paz, oras. Ah, se fossem só os números!

Sim, eles não vêm sozinhos. Chega uma fase da vida que a gente não sabe se faz uma plástica, se pega a grana para viajar, se se separa, se inventa uma pequena reforma em casa ou se gasta tudo em vinho.

Mas aí vem a realidade e a gente vê que o tal procedimento estético mal daria para um famigerado botox feito numa única região da face evidenciando as linhas de expressão vizinhas; que a viagem certamente não passaria de um fim de semana num resort próximo ou cinco dias num hotel meia boca com direito a meia pensão; que aquela churrasqueira no quintal poderia ser uma construção sem fim e que os vinhos poderiam resultar numa ressaca profunda, dada a procedência, de rótulo duvidoso.

A alternativa que sobrou pode fazer algum sentido, se tudo correr bem. Dizem que também é um remédio para atenuar pequenos sinais e cicatrizar algumas marcas da vida. E se se organizar direitinho, dá para celebrar com uma boa garrafa, de ótima safra, com companhias agradáveis e que a gente nem precisa ir tão longe.

A boa viagem pode estar dentro de si. Reinvente a vida. O desafio é seu.

(Texto: Claudia Rato, autora do livro Pra mim você morreu / Imagem Freepik)

A mulher sonhadora e o marido ogro

Após sonhar com seu ex, mulher pede ao marido sair para bem longe para continuar seu sonho e refletir sobre a passagem do tempo

Euseclânea, mulher de meia-idade, sonhou com seu o ex que não via há anos. Ainda de pijama, com os olhos inchados de tanto dormir, sentou-se na beira da cama, olhou para o nada que estava bem à sua frente e continuou a sonhar, dessa vez acordada.

Aquela manhã fria a fez levar para uma tarde de domingo quente e feliz, carregada de boas,  velhas e ardentes lembranças.

Não fosse o marido ogro a tê-la chacoalhado para tomar um café puro e amargo e comer um pão na chapa meio que sem gosto de nada, certamente Euse dormiria novamente só para saber que fim daria aquele sonho, que parecia ser bom.

Sem alternativas, olhou para o esposo e fez a ele um singelo pedido.

_ Querido, faria a mim um favor como prova do seu amor?

Sem muito desejo no olhar, o moço grunhiu em resposta, e continuou a ouvir

_ Poderia encontrar, colher e me trazer uma flor azul com espinhos vermelhos?

Ele a olhou com expressão confusa, de quem nada entendeu.

_ Uma flor azul com espinhos vermelhos? Desde quando isso existe? Isso é coisa de conto de fadas e você com esse pijaminha velho não está para princesa, minha Fiona querida.

_ Se vira. Volte só quando encontrar _ ordenou a moça, que sabia se tratar de uma busca quase que impossível naquela área inóspita e seca onde vivia praticamente atrás do fim do mundo.

Ela só queria poder dormir e sonhar um pouco mais, feito bela adormecida.

Enquanto o marido saía em sua peregrinação rumo às terras semiáridas para o agrado da mulher, Euseclânea avistava o imenso e vazio horizonte. Não sonhou, mas voltou ao tempo.

_ Que tempo foi esse que passou tão depressa e que agora parece não passar nunca mais? _ questionava a pobrezinha, que só queria uma resposta, em vão, para as suas escolhas.

A manhã deu lugar à tarde, que dava boas-vindas ao anoitecer quando apareceu um rapaz de trajes pouco diferentes do marido ogro. Era um homem bonito, esbelto, elegante e que carregava consigo um ramalhete de flores azuis com espinhos vermelhos.

Pena que Euseclânea acordou do sonho com outro chacoalhão do atual companheiro de movimentos bruscos. Ele não encontrou a tal rosa exótica, mas fez questão de dar a ela um pequeno cacto como forma de seu amor.

Ela sorriu para ele, levantou-se e foi botar o feijão no fogo.

Tempo que voa, feito falcão

Não sei você, mas tô achando que o tempo tem passado muito depressa. Só não passa pra quem está preso ou pra gestante que sofre de insônia, ânsia, azia e vontade de matar alguém que, coitado, não tem nada a ver com o peixe. Sim, nunca ouviu falar que a grávida escolhe sempre uma vítima para odiar por longos e intermináveis nove meses? Pois bem, isso é fato.

Mas, voltando à cronologia que nos tem feito sentir tudo passar voando, feito falcão-peregrino, algumas situações me fizeram pensar nesse tema, numa segunda-feira de frienta.

Já era tarde, quase seis da noite, quando liguei nem me lembro mais pra quem, pra fazer não sei o que também, e a pessoa atendeu à ligação saudando-me com um bom dia, ao que eu a corrigi, com um sorriso que ela não viu, mas percebeu. Sem graça pela falha, a moça disse que nem tinha notado a hora, que passou tão rápido, e que já estamos em junho, daqui a pouco dia dos pais, fim de ano, Natal…

Ok, se fôssemos só nós duas a pensar nisso naquele dia estaria tudo perfeito, mas tudo parecia fazer questão de nos lembrar que a vida está caminhando na velocidade dois.

Um pouco mais tarde, fui a uma consulta médica, daquelas que a gente vai uma vez por ano e se dá conta de que mais uma primavera se foi. Logo que entrei na sala, a doutora recordou que parecia ontem que eu havia estado lá para fazer o mesmo de sempre. Com expressão cansada de quem trabalhara o dia todo, doze horas, me disse que o desânimo aparente nem era pela labuta mas sim pela festinha junina da escola dos filhos no sábado que passou. Tudo o que ela mais queria era que a segunda se transformasse numa sexta-feira e que junho virasse janeiro para gozar suas férias na praia.

Os exames também foram breves, ao menos pareceram. Na saída, a recepcionista já me orientou marcar nova consulta para o outono seguinte, ao passo que tomei um susto em já ter que me programar para algo que ainda vai levar um tempão para acontecer, aliás, tanta coisa pode mudar em um ano. Mas, ok, marquei, na expectativa de estar naquele mesmo local fazendo o mesmo de sempre e todos ao meu redor felizes, vivos e protegidos.

Ao passar pela catraca do prédio, o porteiro me saudou com um bom fim de semana. Aí eu realmente fiquei confusa. Será que o tempo está passando depressa ou nós é quem estamos apressando a nossa vida?

Rimos da confusão. Desejei a ele ótimos dias antes do tão esperado sábado e domingo e fui embora, em passos lentos. Entrei no carro, liguei o motor e saí, sem forçar muito o pé no acelerador pra ver se conseguia ganhar um pouco mais de tempo pra chegar a algum lugar qualquer sem pressa nenhuma.

(Imagem: Freepik – Texto: Claudia Rato, autora do livro Pra mim Você Morreu!)

Enquanto meu celular desligou…

Desconectar para se conectar com o que realmente importa

Acabou a bateria do meu celular bem na hora em que eu ia tomar um solzinho na frente de casa.

E agora, o que o que eu faço? Restou-me um livro, fazer o quê? Lá fui eu, pegar alguma coisa na estante e voltar pro sol.

O segurança passou de moto e me cumprimentou. A vizinha me trouxe um pedaço de bolo de fubá com recheio de goiaba, o companheiro se achegou, o filho também se adentrou pro lado de fora, uma senhorinha de pouco mais de oitenta que passava na rua e não sei quem é jogou-me um beijo, o cachorro se aproximou e lá ficou, em meus pés, vendo o mundo passar. De longe, ouvia-se um som de música agradável, parecia um chorinho e, de perto, as maritacas davam sinal de vida.

A leitura acabou. Dois capítulos, o suficiente para recarregar a energia com a vitamina D, mesmo tempo enquanto carregava meu telefone. Cem por cento abastecidos, corpo, alma e aparelho.

Nesse ínterim, o banco havia ligado oferecendo pacote de serviços, a seguradora alertou que o seguro vencerá no próximo mês, a cliente pediu um texto fora do escopo e “pra ontem”, o dentista desmarcou a consulta do dia seguinte, o grupo do condomínio mantinha a discussão dos adolescentes barulhentos e uma amiga distante curtiu uma lamentação minha de três meses atrás de questão resolvida.

Este foi um dos melhores sóis que tive nos últimos dias.

O silêncio ensurdecedor

Já era madrugada quando ouvi um som em meio ao silêncio. Era o trem, algo que não escutava fazia um bom tempo, tempo esse que ouvia durante o período de lockdown durante a pandemia de coronavírus em que nada, nem ninguém, podia sair nas ruas. Ouvia-se, ainda que bem de longe, um distante barulho do que parecia ser a única existência fora de nossas casas – era ele, passando, vazio, sem carga, sem gente, apenas com o seu apito gritante.

Ainda pensando neste silêncio total, capaz de me fazer ouvir algo tão longe, semana passada participei de um evento de Comunicação na minha cidade em que um dos palestrantes questionava a plateia sobre o significado da palavra comunicar, ao passo que eu respondi não exatamente a pergunta, mas creio que chutei na trave ao me lembrar de outros recursos silenciáveis e ocultadores que me remeteram ao tema.

Não coloquei a locomotiva na frente nem atrás dos bois, apenas disse que o referido verbo muitas vezes também se faz na sua ausência, no silêncio, no não falar, não responder, sendo essas também formas de se expressar.

E esse tal silêncio acontece muitas vezes numa pergunta capiciosa de um repórter com o entrevistado esquivando-se; na falta de retorno de uma assessoria de imprensa a um jornal, que geralmente segue seu texto com a frase “… mas até o fechamento desta reportagem não obtivemos resposta” e também em casa, no nosso dia a dia, em que a não comunicação se faz presente, principalmente após uma discussão, seja ela relevante ou não.

Se não fui clara, experimenta chegar tarde da noite sem avisar o companheiro ou a companheira. Depois do inevitável debate, amanhece um silêncio ensurdecedor em que as panelas, portas dos armários e até mesmo os beija-flores parecem gritar enquanto todos mantém-se na plena inexistência da fala.

Situações assim me lembram uma atriz famosa que relatou anos atrás a um jornalista ter parado de conversar, segundo ela “do nada”, com o marido por longa data. Ela disse que uma vez foi pegá-lo no aeroporto e, sem saber o porquê e sem motivo, não se falaram nesse dia e assim continuaram, no mesmo teto, sem dizer uma palavra um ao outro.

Pra fechar este texto, fiquei curiosa para saber o desenrolar desse silêncio matrimonial e, pasme, li que celebraram recentemente 50 anos de casados, sob o depoimento da famosa de que a cumplicidade é fundamental, a convivência importante e coisa e tal. Será essa a receita? Falar menos, não falar, não comunicar, não transar, pegar o trem e ver onde vai dar?

Não sei não, acho que cada caso é uma estação diferente que esse comboio vai parar, mas de uma coisa eu tenho certeza, esse silêncio ensurdecedor às vezes é gritante, fala alto demais, chega a estourar os tímpanos.

Confesso que muitas vezes mato a calmaria com uma TV ligada, sem sequer saber o que ela diz, apenas para não ter que ouvir o bater das portas dos armários, das panelas, o incômodo som do simples mastigar – misofonia? Sim, ela habita em mim. Não sei onde isso vai dar, só sei que quanto aos beija-flores, esses são bem-vindos a qualquer hora.

(Imagem: Freepik)